sábado, 21 de novembro de 2015

O próximo passo



Não sei exatamente quando perdemos o contato com nossa identidade infantil, a primitiva, a primeira, aquela que deveria governar nossos passos e conduzir nossas ações e opções; que deveria nos tornar mais seletivos e responsáveis no critério utilizado diante das nossas escolhas mais íntimas e que nos possibilitaria conquistar nossos ideais.

Em qual momento da vida rompe-se o lacre que sela a lealdade que juramos diante de nosso mentor, no momento da criação? Quando é que deixamos escapar esse pedaço de nós mesmos, “oh! metade arrancada”, por entre os dedos.

Quando é que falhamos e desviamo-nos do nosso destino?

Ela estava lá, frente a ela mesma, de saia plissada com suspensório, blusinha de gola redonda, bordada com florzinhas, sapatos de verniz pretos e meia rendada. Cabelos cacheados, curtos, caídos sobre a testa e olhar inseguro, as mãos entreabertas, furinhos na base dos dedos, (mais infantis ainda do que são normalmente as mãos nessa idade), olhando para si, na foto estanque, como que a se perguntar “e agora, para onde ir”?

E de salto alto, ela mesma, em frente à menina da foto, de jeans desbotado e camiseta branca, cabelos longos e louros, propositadamente louros para esconder os fios brancos, parada, fita a si mesma nos olhos, sem conseguir responder qual será o próximo passo.

Incerteza - o frisson de se estar vivo nunca permite que se viva de maneira morna e previsível.

Mas, então será que é isso? Pode ser isso? Será que aquele olharzinho, aos quatro anos, era ao contrário, desafiador?

Será que ela estava a se perguntar, desde aquele tempo, o quanto aguentaria deixar sedimentar dentro de si, até o próximo passo?

O quanto poderia abafar dentro do seu EU a fantástica capacidade de ir além do pré-estabelecido, do destino, do instituído, do socialmente correto?

Ela aceitou o desafio. Aqui está... Como folha em pleno outono, mais uma vez desnuda, ao vento, espargindo aos quatro cantos, as verdades que descobriu - as suas.

Espargida, multiplica-se cada vez que se fragmenta.

Paradoxal.

Verdade, porém, absoluta.

Assim acontece verdadeiramente - ao nos distanciarmos, nos aproximamos. Ao nos fragmentarmos, multiplicamo-nos. Ao doarmos, recebemos incomensuravelmente, mais e mais.

Assim é, pois, eu e você, você e eu, num vai e vem de onda do mar, que leva areia, traz maresia, mistura, embola e acalma, para depois recomeçar tudo outra vez.

Assim somos nós, eu você, por todo o sempre a nos misturar e separar, distanciar e aproximar, desafiar e aceitar, assim somos nós enfim, até o próximo passo.

Mais um degrau, mais uma etapa, mais um desafio, mais um fragmento, até encher o copo d’água e transbordar, beber mais um pouco para não deixar derramar, até a próxima gota, até o próximo instante do transbordamento, para mais um gole, o final, afinal.

Uma rotina enlouquecedora e estimulante, já que não se sabe de onde vem a próxima gota, qual distância percorrerá e quanto tempo levará para chegar...

Alguns goles, muitas gotas, vários degraus, diversas situações, muita incerteza, mais certeza, maresia, mar, sol, sombra, água salgada e doce, gaivotas, vaga-lumes, borboletas, tudo isso e muito mais, fragmentos da vida, o próximo passo.

Nele estão contidas todas as emoções vividas, escritas e descritas, o inesperado, a surpresa, o ineditismo com que somos agraciados pela vida, a cada amanhecer.

Então aqui estamos nós duas, eu e você, não duas, apenas uma.

E seja, portanto, o quê e como Deus quiser!

No balanço da onda, que venha o PRÓXIMO PASSO.






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