domingo, 6 de março de 2016

Mulheres na Odontologia

A Odontologia é delas 
Dos 215.981 Cirurgiões-Dentistas espalhados pelo Brasil, 119.220 são mulheres e a projeção futura é de que elas continuem sendo maioria 

Por Bruna Oliveira

Foi-se o tempo em que a mulher dedicava-se exclusivamente ao lar, marido e filhos. O século XX, em especial, quebrou paradigmas e foi um marco importante para as mulheres que conseguiram valorosas conquistas em diversos aspectos sócio-culturais e em diferentes setores da sociedade. Uma dessas grandes vitórias foi a inserção da mulher no mercado de trabalho.

Logo após a II Guerra Mundial, ainda que mal vistas pela sociedade da época por desempenharem funções fora de seus lares, algumas mulheres conseguiram transpor as barreiras do papel tríplice “esposa-mãe-dona-de-casa”. Mas, a partir da década de 1970, logo depois da revolução sexual, cujo auge foi nos anos 1960, as mulheres realmente conseguiram conquistar um espaço cada vez maior no “mundo do trabalho”. Paralelamente à necessidade de trabalhar, o aumento no nível de instrução e escolaridade feminina também cresceu.

Um aspecto que diferencia a “mulher trabalhadora” é a facilidade em lidar naturalmente com as diversidades e processos multifuncionais. Outra peculiaridade que acompanha a mulher é a sua “terceira jornada”. Normalmente, além de cumprir suas tarefas laborais, ainda cuida dos afazeres domésticos em quase 90% dos casos. Dados da pesquisa “Perfil das Mulheres Responsáveis pelos Domicílios no Brasil”, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último Censo Demográfico de 2000, revelam que em uma década, o número de mulheres responsáveis pelos domicílios brasileiros aumentou de 18,1% para 24,9%. Das pequenas e médias empresas brasileiras, 38% são empreendimentos de mulheres. Apenas para se ter uma idéia de como a mulher brasileira está bastante inserida no mercado e na labuta diária, aos 60 anos, 19,7% delas ainda estão trabalhando.
A crescente inserção feminina no mercado de trabalho e a elevação de sua renda levaram a mulher de hoje a ocupar cargos e posições cada vez mais importantes. Em 2006, as mulheres ocupavam quase 42% dos postos de trabalho no mundo todo. Nos dias de hoje, a mão-de-obra feminina permeia todos os setores. E na Odontologia não é diferente. Hoje, dos 215.981 Cirurgiões-Dentistas espalhados pelo Brasil, 119.220 são mulheres, segundo dados levantados pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), até o dia 19 de fevereiro de 2008.

No Estado de São Paulo, o número de mulheres na Odontologia também supera o do sexo oposto a cada ano, com exceção dos cargos relacionados aos profissionais da prótese dentária. De um total de 70.965 Cirurgiões-Dentistas paulistas, 40.013 são mulheres, ou seja, mais de 55% pertencem ao universo feminino (números levantados pelo CROSP, até o dia 19 de fevereiro de 2008). Há dez anos, em 1998, o percentual de mulheres levantado pelo CROSP foi de 49,78%.

Até mesmo dentro do quadro associativo da APCD essa prevalência também pode ser observada. Do total de sócios ativos hoje, 54,40% são mulheres. Durante o 26º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo, realizado em janeiro passado, elas também foram maioria. Dos congressistas participantes, 56% foram mulheres.

Como elas conquistaram a Odontologia
A inserção da mulher na Odontologia deu-se lentamente e acompanhou o desenvolvimento histórico e cultural da sociedade. De acordo com a literatura, as primeiras mulheres ligadas à profissão apareceram como auxiliares de seus maridos, assumindo o ofício após o falecimento dos mesmos.

Durante o século XVIII até meados do século XIX, era muito difícil para a mulher adquirir um título nas escolas superiores. Somente em 1873, as Universidades de Genebra e Zurick passaram a aceitá-las. No Brasil, somente em 1899, após quinze anos da criação do curso de Odontologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no ano de 1884, formou-se a primeira Cirurgiã-Dentista, Isabela Von Sydow. No final do século XIX havia restrições legais quanto ao ingresso da mulher nas Faculdades de Medicina do Império. Em 1879, um decreto estabelecia que era facultativa a inscrição de indivíduos de sexo feminino, para as quais haveria nas aulas “lugares separados”.

Somente no século seguinte, a partir da década de 1970, observou-se um incremento gradual da força de trabalho feminino na área da saúde, inclusive na Odontologia. A área médica e odontológica, profissões exercidas quase que exclusivamente, até então, por homens, passam a ser exercidas pelas mulheres.

Na década de 1990, as mulheres superaram os homens em escolaridade, assim como na força de trabalho. Enquanto que na década de 1970 os homens representavam um número próximo de 24 milhões de trabalhadores e as mulheres apenas 6 milhões, na década de 1990 o cenário mudou: 55.247.586 trabalhadores homens para 57.612.662 trabalhadoras mulheres (Fonte: IBGE – 1999).

De volta para o mundo da Odontologia, também se pode observar a marcante presença feminina nos cursos de graduação como também nos cursos de especialização e aperfeiçoamento. Uma pesquisa realizada pela Assessoria de Marketing da APCD, em 2007, na Escola de Aperfeiçoamento Profissional (EAP), revelou que de 2000 a 2007 as mulheres ocuparam mais cadeiras nos cursos oferecidos pela escola do que os homens: no total geral de alunos nesse período, a EAP registrou um índice de 57,7% do público feminino contra 42,3% do público masculino.

Além das Cirurgiãs-Dentistas destacarem-se na profissão em várias especialidades, linhas de pesquisas dentro da Odontologia e na ocupação de cargos no corpo docente de instituições de ensino, elas também assumiram postos e funções importantes frente às entidades representativas da classe. As mulheres entrevistadas para esta reportagem pelo APCD Jornal são exemplos de que é possível conciliar a carreira profissional com a família e, ainda, atuar ativamente em prol da classe odontológica e de uma Odontologia mais justa e ética.


Projeções para o futuro
Segundo o sistema de estimativas populacionais divulgado pelo IBGE, chamado de Revisão 2004, a expectativa é de que em 2050 as mulheres sejam 6 milhões a mais que os homens no Brasil. No último Censo Demográfico de 2000, elas eram quase 87 milhões, num total de quase 170 milhões de brasileiros.

Porém, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a população feminina ainda está em desvantagem na comparação com os homens no mercado de trabalho. Persistem as diferenças salariais e o índice de empregabilidade de mulheres jovens ainda é inferior ao dos homens. Segundo o relatório “Tendências Mundiais do Emprego para as Mulheres”, de 2007, elaborado pela OIT, o primeiro passo para “atrair mulheres para o mercado de trabalho é o acesso igualitário à educação e qualificações necessárias para se competir no mercado de trabalho”.

Independentemente dessas projeções, fato é que tanto na Odontologia como em outras profissões e setores da sociedade a ascensão e a inclusão qualificada da mulher no mundo do trabalho tem ocorrido. Na equação luta pela sobrevivência + necessidade de realização profissional + transformação social, o resultado final é = mulher moderna cada vez mais independente.

“Eu tenho 35 anos de formada. Sou do tempo em que de 50 alunos da USP, oito eram mulheres e nem todas terminavam o curso. Hoje em dia, a mulher Cirurgiã-Dentista consegue conciliar a família, os estudos, a profissão, participar de uma entidade de classe... Mas isso depende muito de cada pessoa. A Odontologia é uma profissão difícil, exige muita dedicação com os pacientes e muito comportamento no consultório. Eu sou envolvida com a profissão desde o Centro Acadêmico, quando fui convidada para ser sócia da APCD. E eu sempre tive a idéia de não ficar isolada na profissão. Tenho quatro filhos e durante um período de dois anos e meio, mais ou menos, eu apenas trabalhava e voltava para casa para cuidar dos filhos, da casa e do marido. Mas isso foi me fazendo muito mal, porque eu percebi que meu lado científico estava ficando abandonado. Foi então que eu comecei a fazer parte da APCD Regional Santana, voltei a fazer cursos e fui conciliando tudo. Hoje, não sei como consegui fazer tudo, mas participar de uma entidade de classe me proporcionou sair das quatro paredes do consultório, fazer amizades, o conhecimento científico e o lazer. Essa atividade intensa reflete na família sim, mas de forma positiva porque os filhos vêem a gente trabalhando, estudando, conservando amizades e assim é possível envelhecer de uma forma lúcida, tranqüila e inteligente. Alguns eventos dos quais participamos, por exemplo, exigem que estejamos sempre bem arrumadas, ainda mais para a mulher. Só que isso é sinônimo de ânimo, de saúde, de mente ocupada. Se eu tivesse deixado o diploma na parede e ficado dentro de casa só reclamando eu não estaria aqui. Por isso, eu recomendo que vivamos intensamente e que levemos a sério o consultório e a família, porque eu acredito na minha profissão e nos valores morais e éticos, na família, na hierarquia e que é possível conciliar tudo.”
Maria Ângela Marmo Fávaro – presidente da APCD Regional Santana

“A escolha pela Odontologia para mim foi de forma madura, consciente e meu objetivo era ter conhecimento e capacitação para administrar o consultório, mas clinicando. O que é mais gratificante é a capacidade de tirar a dor de uma pessoa, proporcionar saúde e melhorar a auto-estima, entre tantas outras coisas. A Odontologia nos permite flexibilidade no horário de trabalho, no consultório particular. Na rede pública, geralmente a carga horária é de 4 horas por dia, dando à profissional opção de escolha do período, muitas vezes, conciliando os afazeres de mãe e dona-de-casa. Atualmente, todos os setores trabalham a prevenção. Na Odontologia não é diferente. O grande segredo é conquistar e motivar o paciente para que ele seja um parceiro no tratamento; fatores com os quais as mulheres têm facilidade e traquejo. A mulher entra no mercado de trabalho não para competir com o homem, mas para somar e para humanizar a relação profissional. Conciliar consultório, casa, entidade de classe, às vezes, é complicado, por isso temos que conviver bem com nossos funcionários e família, pois são eles que nos dão a retaguarda. Estagiei com uma profissional, Dra. Yara Pierangeli Fonseca, por quem tenho gratidão e admiração, pois com ela não só aprendi odontopediatria, mas também como tratar os funcionários de maneira respeitosa e humana, recebendo deles o apoio e incentivo que me permite assumir os tantos compromissos.”
Eurica Yanagimori – presidente da APCD Regional Osasco e secretária do Conselho de Regionais da APCD

“Atuar na Odontologia para mim sempre foi muito tranqüilo. Nunca senti que esta fosse uma daquelas profissões em que houvesse qualquer tipo de preconceito com relação ao sexo de quem a exerce. A ética pessoal em todos os níveis, a postura do profissional diante do paciente, seu conhecimento técnico-científico, o grau de atualização e, principalmente, a capacidade de perceber que quem está diante de você é um ser humano, muitas vezes fragilizado pela dor, são características que determinam a qualidade da relação estabelecida com o paciente, independente de ser um homem ou uma mulher que exerça a Odontologia. Isso vale também para as relações entre os Cirurgiões-Dentistas, pois uma profissão se constitui também dessas relações que devem ser éticas e harmoniosas. O mercado de trabalho odontológico é bastante acolhedor, não deixando nada a desejar para as mulheres, que estão inseridas em cargos elevados dentro de empresas privadas, nas esferas governamentais, nas universidades e, principalmente, em suas clínicas particulares. Especificamente no meu caso, a Odontologia sempre foi uma paixão. Após algum tempo de formada, tive a felicidade de descobrir os vários aspectos que se encerram dentro dessa atividade. Ao contrário do que se possa imaginar, que se trata de uma profissão solitária, na qual quem a exerce está condenado a passar o resto de seus dias encerrado entre quatro paredes, descobri que meus dias tinham mais luz e calor a cada paciente que eu recebia em meu consultório. Mas, romper todas as barreiras possíveis e imagináveis da profissão foi adentrar no seu universo acadêmico e político. O acadêmico, por poder participar no processo de formação dos mais de 1.300 alunos que por mim passaram. O político, pelo potencial intrínseco de transformação de uma categoria profissional e por que não dizer de uma sociedade, na medida em que as ações desenvolvidas podem afetar diretamente o comportamento de uma coletividade. E é assim que me sinto. Feliz e plenamente realizada por poder atuar nestes vários segmentos políticos da minha profissão e de poder ter dado a ela o meu quinhão de colaboração como forma de agradecimento a tudo que ela, a Odontologia, me proporcionou. E por falar em agradecimento, não poderia deixar de dizer publicamente da minha gratidão aos homens que me possibilitaram esta militância política e que deixaram muito claro que nada há de preconceituoso em relação à mulher na Odontologia.”
Maria Lucia Zarvos Varellis – secretária-geral da APCD, conselheira do CROSP e secretária-geral da ABCD


   Fonte: Jornal da APCD, São Paulo, ano 42, n.611, p.17-18, Mar. 2008.



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